O passageiro tempo das lagartas
- Shely Pazzini
- 20 de fev. de 2023
- 2 min de leitura
Nesta época do ano centenas de milhares de lagartas eclodem de seus ovos devorarando o que encontrarem como alimento. Numerosas, causam visível estrago nas plantas, pois famintas chegam ao mundo, como codificadas para crescer rapidamente e cumprir o seu desígnio de fazerem seus casulos e transformarem-se em borboletas.
Esses seres vem ao mundo com um objetivo muito claro: mudar completamente a sua forma inicial e sutilizar o seus hábitos. Nascem como rastejantes destruidores mas renascem com asas e passam a visitar flores.
Tão intenso quanto belo, aquela que devora as plantas é a mesma que, transformada, bebe o seu néctar e poliniza, como numa compensação pela destruição de outrora, num equilíbrio cíclico perfeito que a humanidade não tem prontidão para compreender por completo.
As lagartas são a pura expressão do poder de sutilização da vida; nascem como rastejantes famintos, que para sua sobrevivência experimentam o excesso do consumo do que lhes é oferecido. Em um determinado momento, recebem um chamado de recolhimento e tecem seu próprio casulo, onde desapegam-se completamente daquela forma de vida conhecida para uma jornada solitária e abstrata. Sem acesso ao mundo externo, ali ela passa pela sua lenta metamorfose, permitindo que o fluxo da energia do seu próprio chamado aja sem que ela tente controlá-lo. Ela se entrega, vive a total transformação de si, sem resistir. Ao final desta etapa, um novo chamado surge: romper o casulo e voltar a expandir em direção ao mundo exterior.
Há quem só olhe para as borboletas, mas desconsideram sua origem e trajetória. Matam as lagartas e invejam aqueles que vem se desmanchando para renascer em novas formas. Ignoram os processos, enxergam apenas o que incomoda e o resultado, sem perceber que eles também tem a capacidade de renascer, mas que é preciso se entregar ao percurso inevitável de se recolher para renascer.
Com hábitos grosseiros pedindo lapidação, permanecemos repetindo o hábito da destruição, rastejando em nossa forma de vida inicial.
Podemos, num novo momento, a partir da nossa força de vontade, estarmos completamente renovados, assim como as lagartas, numa segunda vida, na mesma vida, descobrindo nossas asas.
Imagine como seria estar agora leve, suave, dançante, com hábitos sutilizados, colaborando e harmonizando, usufruindo do mais doce néctar que a natureza tem a oferecer, sendo esse resultado do merecimento por completar os seus desígnios.
Este chamado está para todos e só depende da escolha pessoal de cada um de nós em seguir em frente em nossa própria transformação.
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